Valor Econômico: O que a logística reversa tem a contribuir para impulsionar a indústria da reciclagem
Gargalos logísticos, falta de regulamentação e fiscalização levam Brasil a reciclar só
8% dos resíduos sólidos urbanos
Por Áurea Lopes, Para o Valor, link da matéria
O volume de resíduos sólidos urbanos no Brasil atinge a média de 85 milhões de toneladas por ano, segundo a Associação Brasileira de Logística Reversa (Abelore), mas apenas 8% do total é reciclado. Não por falta de material, mas porque ele não chega aos recicladores. Os desafios para melhorar esse resultado vão da educação do consumidor à progressão legislativa, passando por maior rigor na fiscalização, investimentos na infraestrutura de coleta municipal e tecnologia para as cooperativas de manejo dos resíduos. Superadas essas dificuldades, o país poderá chegar a 50% de reciclagem desses resíduos, acredita Alexandre Braz, presidente da Abelore.
As dificuldades dos catadores e recicladores são um funil apertado no fluxo da logística reversa. A coleta seletiva nas casas e nos estabelecimentos comerciais é deficiente, o transporte aos centros de reciclagem é caro num país de dimensões continentais como o Brasil e a maioria dos sistemas de separação dos resíduos nos galpões carece de tecnologia para otimizar a produção. “O trabalho dos catadores é mais reflexo de um problema socioeconômico do que de uma política pública de economia circular”, avalia Roberto de Moraes, coordenador do curso de logística da Fatec Zona Leste, na capital paulista.
No Brasil, dos 359 kg/ano/pessoa de resíduos gerados, apenas 13 kg/ano/pessoa são coletados, alerta Bianka Alves, gerente de projetos da organização Compromisso Empresarial para Reciclagem (Cempre). Para avançar na reciclagem, é necessário antes avançar na coleta. Algumas iniciativas têm surgido. Com objetivo de reforçar a coleta de cacos de vidro e preocupada com o custo das rotas da logística reversa, a Verallia Latam, terceira maior produtora mundial de embalagens de vidro para bebidas e alimentos, criou em 2022 o programa Vidro vira Vidro em parceria com empresas e prefeituras, que conta com mais de 830 pontos de entrega voluntária em 46 cidades. “Os nossos projetos já nos retornaram 12.133 toneladas de vidro, o que equivale a evitar que 64 milhões de garrafas long neck fossem jogadas no aterro”, afirma Sofia Wurlitzer, gerente de sustentabilidade da Verallia.
Referência no segmento do agronegócio mundial, desde 2002 o Sistema Campo Limpo, criado pelo Instituto Nacional de Processamento de Embalagens Vazias (inpEV), faz a gestão de logística reversa de embalagens de defensivos agrícolas. No ano passado, o sistema recebeu o equivalente a 95% do total produzido no país. Em parceria com um reciclador de São Paulo, o inpEV desenvolveu um projeto para o processamento de embalagens de plásticos flexíveis. “Os equipamentos já chegaram da Alemanha e a planta já está em construção. Nossa previsão é de chegar a 97% do material reciclado até 2027”, diz Marcelo Okamura, diretor-presidente do inpEV.
Uma medida que tem demonstrado eficácia para aumentar a disponibilidade de matéria-prima para reciclagem é a regulamentação estadual, complementar à Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), instituída em 2010. Hoje, 17 unidades da federação têm decretos estaduais de logística reversa – que apresentam índices de reciclagem acima dos que não contam com as normas, de acordo com a Central de Custódia, a única verificadora de resultados da logística reversa de embalagens habilitada pelo Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima. “A gestão estadual permite criar mecanismos de controle mais próximos e sanções para quem não cumpre as metas”, frisa João Paulo Sanfins, vice-presidente da Associação Nacional dos Aparistas de Papel (Anap).

índice de reciclagem e o índice de conteúdo reciclado reutilizado. Obriga que esteja escrito nas novas embalagens o percentual de material reciclado utilizado”, ressalta Bernardes. O mercado aguarda, para os próximos meses, a publicação do decreto de plástico.

No segmento eletroeletrônico, com decreto setorial publicado em 2020, a meta de material reciclado para cinco anos foi atingida em três anos e meio: começou em 1% em 2021 e chegou a 12% em julho 2024. “Vamos chegar aos 17% em 2025”, anuncia Ademir Brescansin, gerente-executivo da Green Eletron. Poderia ser bem mais, diz ele, se houvesse mais fiscalização
Organizações gestoras de logística reversa concordam que a fiscalização é crucial para forçar as empresas a garantir mais material para reciclagem dentro dos parâmetros legais e, portanto, gerar mais notas fiscais documentando a remessa e entrada de material a ser reciclado. “O volume hoje é baixo porque muitas empresas não atingem as metas e outras tantas sequer estão registradas no sistema”, avalia Bernardes. A escassez de notas fiscais leva a manobras na compensação, como a duplicação de notas fiscais, uso da mesma nota em distintas etapas do processo, ou uso da mesma nota por gestoras diferentes. A Central de Custódia atesta que 18% das notas têm algum problema desse tipo.